(In)visíveis - Polacas, Memória e Resistência

2019
Oficina Cultural Oswald de Andrade.

Caixas de madeira, cal, pás, cadeiras, sapatos, cortinas, áudio.
Dimensões variadas.

"A partir de 1867 chegaram ao Brasil milhares das assim chamadas “polacas”: mulheres na sua maioria judias que em parte foram trazidas pela Organização para a Ajuda Mútua de Varsóvia, nome cínico, depois alterado para Zwi Migdal. Elas vinham servir de trabalhadoras do sexo em prostíbulos de cidades como Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Até os anos 1930 centenas desses prostíbulos foram criados então no Brasil.

Expelidas das pequenas aldeias judaicas da Europa Oriental pela pobreza e pelas ondas de ataques antissemitas, essas “polacas” (nem todas, vale lembrar, eram realmente judias e polonesas) alimentaram bordéis também em Nova York, na África do Sul e sobretudo em Buenos Aires, onde existiram cerca de 3.000 desses estabelecimentos com “polacas”.

Estigmatizadas pela sociedade e pela comunidade judaica, elas tiveram que criar suas Sinagogas e cemitérios. Sem direito a uma vida digna, era-lhes também roubada a possibilidade de um enterro digno, conforme às leis judaicas.

A instalação [In]visíveis: Polacas - memória e resistência, das artistas Eva Castiel, Fanny Feigenson e Fúlvia Molina procura lançar luz sobre esse passado esquecido e recalcado. A arte surge como dispositivo mnemônico com a capacidade de promover a restituição simbólica de vidas precarizadas, cujos corpos serviam de entretenimento em meio à implantação do capitalismo.

Márcio Seligmann-Silva
Curador
Professor titular de Teoria Literária
Instituto de Estudos da Linguagem, IEL 
Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP​

Além das instalações na Oficina Cultural Oswald de Andrade, faz parte da intervenção dessas artistas visitas guiadas à antiga Rua Itaboca, lugar de memória das “polacas”, e uma mesa-redonda com debates em um “Sábado Resistente”, no Memorial da Resistência.

Em uma instalação sonora em iídiche escutamos as inscrições das lápides das 48 “polacas” sepultadas no Cemitério Israelita de Cubatão, com nome, local e data de nascimento, local e data de falecimento e mensagens de familiares e amigos. Assim imergimos nessa língua que foi tentativamente dizimada pelo nazismo e que era em boa parte a língua dessas mulheres marcadas pelo estigma dos preconceitos. Sete caixas de masseira de obra cheias de cal e com pás, ladeadas de cadeiras e pares de sapato femininos remetem tanto a esses corpos que não tiveram direito à dignidade, em vida e depois da morte, como ao esquecimento dessas histórias no feminino, que deveriam compor parte de nossa memória coletiva.

Restituir a memória dessas mulheres hoje, quando o feminicídio se torna um crime banalizado e transformado em parte de nossa necropolítica é um gesto de coragem que nos revigora para a resistência cotidiana. A arte do “desesquecimento” de Eva, Fanny e Fúlvia reafirma a capacidade empática e crítica do campo estético, deixando claro que a arte é parte essencial da luta política hoje."

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